Lavagem do Bonfim reúne uma série de fatores históricos e simboliza a fé popular

Lavagem do Bonfim reúne uma série de fatores históricos e simboliza a fé popular

No entrelaçar do cortejo e nos degraus que ascendem, desvela-se a narrativa da Lavagem do Bonfim, um evento que transcende a mera celebração para se converter em um conto histórico e inter-religioso, simbolizando a fé enraizada na alma popular.

Como uma dança sincrética de tradições, a Lavagem do Bonfim congrega milhares de devotos na majestosa escadaria da Basílica Santuário Senhor do Bonfim, situada em Salvador. Nesse rito ancestral, baianas trajando vestes típicas carregam consigo vasos repletos de água perfumada, acompanhadas por fiéis católicos, devotos e curiosos turistas. A segunda quinta-feira de janeiro, marcada no calendário católico como um dia de jubilação, também se torna, para os seguidores das religiões de matriz africana, uma celebração dedicada a Oxalá.

Celebrando uma tradição centenária que remonta a mais de duzentos anos, as homenagens ao Senhor do Bonfim estão intrinsecamente ligadas à fé do capitão português Theodósio Rodrigues de Faria, um navegante e traficante de escravos. Como salvaguarda diante dos perigos que permeavam a travessia entre Europa e América, Theodósio prometeu trazer uma imagem do Senhor do Bonfim para Salvador, comprometendo-se a erigir uma igreja em veneração a esse santo ao qual era devoto.

 Foto: Amanda Oliveira

Em 1745, a imagem foi trazida à capital baiana e guardada na Igreja Nossa Senhora da Penha, na região da Cidade Baixa, até 1754, ano em que a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim foi concluída. A festividade teve início com uma majestosa procissão para a transferência da imagem.

A mística da lavagem dos degraus permanece um enigma histórico. Não existem indícios precisos sobre o porquê desse ritual, mas algumas vertentes sugerem que a prática iniciou-se com um grupo religioso devoto do Senhor do Bonfim, que ordenava aos escravos a limpeza do local em preparação para a festa. Outras teorias apontam para uma faxina realizada pelos próprios fiéis ou atribuem a tradição a um devoto de Oxalá, orixá do candomblé.

Independentemente das origens, o momento da lavagem tornou-se simbólico na celebração da data, e a urbanização progressiva da cidade impulsionou uma maior adesão a essa manifestação, transformando-a em uma festividade cada vez mais popular.

Apesar de ser uma expressão viva da fé do povo baiano, a mistura entre elementos considerados sagrados e profanos, aos olhos da doutrina católica, gerou atritos ao longo da história. A Igreja Católica, por um período, tentou reprimir a lavagem e a participação dos seguidores das religiões de matriz africana. Em 1889, o arcebispo Dom Antônio Luís Santos proibiu as lavagens das igrejas em dias festivos dedicados aos santos. Contudo, essa tentativa foi infrutífera.

Foto: Amanda Oliveira

Somente em 2013, a festa foi oficialmente tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), sendo reconhecida como a mais grandiosa manifestação religiosa popular da Bahia.

Permeando o sagrado e o profano, a celebração contemporânea mantém elementos como barracas de bebidas e comidas, a venda de adereços litúrgicos e a música ambiente. Nessa sinfonia equilibrada, destaca-se a tradição das fitinhas do Bonfim, agora elementos distintivos da festividade. Ainda que influenciadas pelas demandas turísticas contemporâneas, essas fitinhas continuam a representar promessas e desejos, perpetuando-se como parte do imaginário popular e dos compromissos assumidos.

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